terça-feira, 29 de abril de 2014

Sem vitrine

   Comercializei meus sentimentos, mas não completei a ação. Sem que percebesse, fiz deles uma vitrine, e os expus, como artigos de consumo passíveis de aquisição.
   E então, ao o perceber, arremessei uma pedra em cada um deles. Agora estou a olhar para os cacos de sentimento que restaram, pensando como era vazio tudo aquilo, ou melhor, como eram frágeis aqueles vidros. Ou até mesmo, se de fato eram composto desse liquido de alta viscosidade, ou de qualquer outro material quebrável, esmigalhável, esfarelável, ou, simplesmente não resistente o suficiente para proteger o que agora ficara descoberto.
   Não sei se o que me incomoda agora é a falta de vitrines, ou a falta de proteção pela sua ausência. Por quem passa, as faltas se assemelham, mas podem ter suas diferenças facilmente percebidas pelo dono da loja.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Desabitado

   Já não tenho mais casa, e não tê-la é um desconforto, cuja angústia te acaricia todas as manhãs, ao primeiro sorriso do sol que te alcança. O gozo desse afago agastado pode ser traduzido no desejo de voltar; voltar para onde as idéias podem fluir, sem ter que desviar de barreiras, tiros ou qualquer outra ameaça que impeça seu fluxo livre. 
   E a dúvida é curta, ao cogitar a possibilidade de que parte de si já tenha realizado este desejo e tenha abandonado a outra parte que foi incapaz de carregar consigo. E assim se manifesta o sentimento de integridade, ao perceber que parte pode ter sido abandonada.
E no espaço vago, o próprio vago se contorce, e até que ali floreçam flores que sorriam de volta para o sol, já deve, com corte, ser o final da primavera.